terça-feira, 4 de outubro de 2011

Pausa para leitura: O que Copa e Olimpíadas fazem pelas cidades?

“Bilhões de dólares foram gastos em estádios e outras obras, mas nós permanecemos em barracos sem energia. Eles pediram para a gente “sentir a Copa” [expressão usada no slogan oficial do evento], mas nós não sentimos nada além da dor da pobreza piorada pela dor da repressão. O dinheiro que deveria ser gasto urbanizando as comunidades mais pobres foi desperdiçado. A Copa do Mundo vai terminar no domingo e nós ainda seremos pobres.”


Essa foi a fala de um jovem de Johannesburgo durante a Copa do Mundo de 2010. Reflete o sentimento de muitos sul-africanos em relação ao evento.


Eu estive na África do Sul alguns meses antes do início da Copa. Encontrei um país em obras e muita gente reclamando. Mas, quando os jogos começam, os problemas costumam ser esquecidos. Passada a euforia do momento, começam as discussões sobre os impactos do evento, o uso dos recursos, quem se beneficiou realmente… e por aí vai.


Essa discussão não termina, porque acaba emendando nas discussões daqueles que já estão preocupados com o futuro das suas cidades que serão sede das próximas Copas e Olimpíadas. Já existem muitas informações disponíveis e que merecem atenção.


Em 2010, as Nações Unidas lançaram um relatório sobre o impacto das Olimpíadas nas cidades-sede. Os números são chocantes. Seul (1988): 15% da população foi desalojada, 48 mil edifícios foram destruídos. Pequim (2008): Um milhão e meio de pessoas foram removidas. Atlanta (1996): 15 mil pessoas removidas. E essas remoções e despejos, na maior parte das vezes, foram feitos de forma violenta e desrespeitando direitos básicos da população.


Além do impacto direto das obras e de como elas são feitas, também há o ponto importante de quem realmente se beneficia com a realização destes eventos. Na África do Sul, por exemplo, muitos homens e mulheres artesãos, comerciantes, vendedores, trabalhadores, etc, acreditaram que poderiam se beneficiar e aumentar um pouco sua renda durante os jogos. Mas não foi assim. Os pequenos comerciantes e artesãos não tiveram acesso aos estádios e arredores. Um perímetro de exclusividade foi criado ao redor dos estádios. Ali, apenas as grandes redes e marcas poderiam comercializar seus produtos. Resultado: quem lucrou foram as grandes empresas, não os sul africanos.


E falando em estádio… hoje, apenas um ano depois da Copa, já se discute na África do Sul a demolição de alguns dos estádios construídos. O custo da manutenção é alto demais, não justifica manter o “elefante branco” em pé.


E o que falar dos gastos? A Copa da África do Sul acabou custando 17 vezes mais do que o previsto inicialmente. Cidades que foram sede de mega eventos se endividaram além de suas capacidades e passaram muitos anos pagando a conta. È o caso de Atenas (2004) e Montreal (1976) que sediaram os Jogos Olímpicos.


Quanto mais investigamos, mais vemos cenários desanimadores. Mas, como disse o cientista político Antonio Gramsci, não devemos ficar apenas no pessimismo da razão. Devemos ter o otimismo da vontade.


O otimismo da minha vontade diz que é possível trilhar outros caminhos em que a realização de megaeventos esportivos promova inclusão social, gere renda e diminua desigualdades. Mas o caminho que leva a esse legado é o caminho da participação popular, da transparência, do controle social sobre as políticas e uso de recursos públicos.


O Brasil e o Rio de Janeiro podem aprender muito com outras experiências e escolher um caminho melhor para a realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas em 2016.


Por Renata Neder, da ONG Action Aid, extraído do site da Época.

2 comentários:

  1. É bem verdade que os governos passam por cima de muitos direitos das pessoas, e aqui no brasil, temos em cada cidade Comitês sociais populares lutando por isso. Estes não são contra a Copa, mas tão aí para defender a população.

    No entanto, cada estádio, para ser aprovado pela fifa tem enormes exigências sobre seu entorno, envolvendo até saúde pública. Portanto, com cada estádio novo, melhorias nos hospitais (ou criação de novos) tem que ser feitos.

    Sobre os artesão sul-africanos, não eles não tinham acesso ao estádio, mas os turistas tinham muito tempo para fazer turismo e visitar onde eles estavam e mercado especiais de artesanatos e produtos sul-africanos que estavam LOTADOS sempre. Teve sim benefício. Talvez gente que não estava trabalhando com isso e quisesse começar, essa não era uma oportunidade. Mas muitos receberam empregos temporários e, por mais que isso não seja grande coisa, pra muitos que não tinham um currículo, já foi um começo e uma ajuda breve na renda. Além disso, o contato cultural foi grande.

    vejo muita potencialidade, basta planejar. Muitas coisas no brasil estão ficando de lado. E não se esqueça que temos exemplos muito bons em termos de copa, olimpiadas e eventos esportiivos: basta ver portugal, barcelona e sidney.

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  2. Concordo em partes com o que você disse. Contudo, consigo enxergar benefício em eventos deste porte quando todas as exigências da FIFA e toda a cartilha da boa política e transparência são verdadeiramente levadas em consideração.

    Isso não acontece no Brasil. Em analogia com uma casa, nós fazemos uma "pintura" nova em nossa sociedade, mas não consertamos as rachaduras.

    E sem contar que, com a irresponsabilidade fiscal e tributária que estamos vendo nesta preparação da copa, sou capaz de apostar que teremos uma crise financeira pós-eventos. Já existem estudos que conseguem relacionar o momento precário da economia da Grécia com os investimentos feitos nas olimpíadas de Atenas-04. Barcelona tb passou por maus bocados depois de 92, e até Los Angeles sofreu um pouco com isso. E olha que estamos falando de países com uma cultura de auditoria forte, ao contrário do que acontece no Brasil.

    Ou seja, acho sim que esses eventos levam enormes e diversificado benefícios às suas cedes. Mas quando o trabalho é feito de maneira digna...

    =)

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