quarta-feira, 13 de julho de 2011

Pausa para leitura: resenha de "O Presidente", por André Kfouri.

Aos interessados, aos que deveriam ter se interessado, aos pobres desinteressados e a quem mais por aí que já tenha visto ao menos um jogo da seleção brasileira de futebol.

Reproduzo abaixo na íntegra a resenha feita pelo André Kfouri, já apresentado neste post, sobre a entrevista de Ricardo Teixeira, presidente de Confederação Brasileira de Futebol, a CBF, para a repórter Daniela Pinheiro, da revista Piauí.

Este é o último apelo para que os leitores alienados de plantão façam coro aos demais no pedido de punição àquele que se acha o dono do futebol brasileiro (e de outras coisas mais).

Se, depois dessa matéria nada mais for feito, eu desisto.
Redobre a atenção, respire fundo e inicie a leitura:

Você certamente ouviu falar sobre o perfil de Ricardo Teixeira, assinado por Daniela Pinheiro, na revista Piauí.

As aspas do dirigente, recheadas de palavras de alto conteúdo grosseiro, já foram amplamente divulgadas.

Na resenha abaixo, escolhemos os “melhores momentos” do texto, muito mais reveladores do que os palavrões presidenciais. Também fizemos alguns comentários.


Procure uma banca, compre a revista. É leitura obrigatória.
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“A varanda do Hotel Baur au Lac foi construída em 1844, de maneira a oferecer aos hóspedes uma paisagem inspiradora: o jardim aparado com esmero em primeiro plano, depois o lago sereno e, ao fundo, os Alpes soberbos. Milionários bronzeados que pilotam Jaguar são habitués do hotel, no centro de Zurique. Eles costumam ser acompanhados por senhoras que portam dois relógios de brilhante no mesmo braço (um que marca a hora local e outro com o fuso do país de onde vêm). Ou então por loiras magras que bebem Campari com gestos lentos. Em maio, o hotel estava cheio de dirigentes da Fédération Internationale de Football Association, a Fifa, que realizava seu sexagésimo-primeiro congresso na capital da Suíça.”

COMENTÁRIO DO BLOG: Parágrafo de abertura. O esmero nas descrições permeia toda a reportagem. Quando você lê algo e se pega “vendo” a cena, é porque o material é bom. No caso, é muito bom.
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“Ele tem as feições pouco marcadas, rechonchudas. Como anda um pouco curvado, devagar e tem pigarros recorrentes, aparenta mais idade. Parece estar sempre irritado porque, mesmo relaxado ou de bom humor, mantém o cenho contraído, como se o sol do meio-dia ou uma forte dor de cabeça lhe atingisse em cheio a fronte. Quando se desarma, ou toma uma taça a mais no fim de noite, é espirituoso e atencioso com todos. Ele se veste de maneira formal, padrão: calça marrom, camisa branca, blazer azul com botões dourados e gravata vermelha. Antes de se casar – sua mulher contou – usava sapato preto com meia soquete branca.”

Sapato preto com meia branca não dá. Pelo jeito, o layout do presidente melhorou. Eu jamais usaria um blazer com botões dourados, mas aí é questão de gosto, né?
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“Os convivas eram cartolas de confederações sul-americanas, suas esposas e assessores. Parecia um jantar do elenco do seriado Chapolin, com muita tinha acaju, pulseiras de prata, calças de tergal e sobrancelhas feitas com um risco em forma de meia-lua. Estava lá o octogenário Julio Grondona, jefe da Associação de Futebol Argentino. Ele é acusado de ter ganho 78 milhões de dólares para votar no Catar para sede da Copa de 2022.

Também apareceu Nicolás Leoz, um paraguaio de 82 anos que preside a Confederação Sul-Americana de Futebol, a Conmebol. Além de ter recebido suborno da ISL, diz-se que ele teria pedido um título de nobreza a David Triesman, em troca de seu voto pela Inglaterra. ‘Don Leoz, donde está su corona?’, gritou-lhe Teixeira, trazendo à baila o almejado título de sir. Leoz fez um bico de muxoxo e levantou os braços sobre a cabeça, fingindo estar sendo coroado, e todos gargalharam. ‘Se nos derem as Malvinas, eu voto em qualquer coisa!’, gritou Grondona, que usa um anel de ouro no mindinho com a expressão Todo pasa.”

1 – A segunda frase é impagável.
2 – Veja, uma vez mais, em que mãos está o futebol sul-americano.
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“(…) Em Zurique, o presidente conversou por duas vezes com advogados sobre a possibilidade de negar credenciais para jogos da Seleção Brasileira. Foi orientado a conceder pelo menos uma aos desafetos, de maneira a não se caracterizar a discriminação.”

Poderíamos usar aqui a expressão “apropriação indébita”? De quem, afinal, é a Seleção Brasileira de futebol?
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“No futuro, Teixeira considera montar uma estrutura jornalística própria, que produzirá conteúdo de interesse da CBF. Seja para responder aos ataques dos críticos, seja para comercializar o acesso privilegiado que a entidade tem sobre os jogadores.”

Os jornalistas contratados para essa futura estrutura certamente não serão “vagabundos” e “escrotos”, termos usados pelo presidente para caracterizar a imprensa esportiva brasileira.
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“No salão de chá do Baur au Lac, o argentino Julio Grondona estava esparramado numa poltrona, com o rosto afogueado. ‘Ah, fui ver os vitrais do Chagall, comi um risoto maravilhoso, bebi uma garrafa de Chianti e brindei à eleição da Fifa’, disse, caindo na gargalhada.

Teixeira pareceu surpreso ao saber que um dos principais pontos turísticos de Zurique, os vitrais de Marc Chagall, ficava a menos de 500 metros do hotel. Ainda que frequente a cidade há mais de trinta anos, seus trajetos são inalteráveis: hotel, Fifa, os mesmos restaurantes, onde é atendido pelos mesmos garçons – a quem pede os mesmos pratos. As paisagens deixaram de deslumbrá-lo.”

Uma pena…
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“Durante a CPI da Nike, em 2001, a rede levou ao ar uma reportagem no Globo Repórter sustentando que a renda de Ricardo Teixeira era incompatível com  seu patrimônio e padrão de vida. A CBF anunciou pouco depois, do nada, uma mudança no horário de uma transmissão de uma partida Brasil x Argentina, clássico sul-americano que costuma bater recordes de audiência. Em vez de ser exibido no horário de praxe, depois da novela das oito, o jogo foi marcado para as 19h45.

‘Pegava duas novelas e o Jornal Nacional. Você sabe o que é isso?’, cochicou-me Teixeira, no Baur au Lac, quando o caso foi relembrado. Como a Globo transmitiu a partida, amargou o prejuízo de deixar de mostrar diversos anúncios no horário nobre, o mais caro da programação. A partir daí, não houve mais reportagens desagradáveis sobre o presidente da CBF na Globo.”

O “dono” da Seleção Brasileira ataca novamente. Ah, o poder…
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“Teixeira quis almoçar de novo no Zeughauskeller. No caminho, o celular de Rodrigo Paiva tocou e, do Rio, alguém lhe contou que o prefeito Eduardo Paes havia divulgado que a sede do centro de imprensa da Copa seria na cidade. O anúncio, no entanto, deveria ter sido feito pelo Comitê Organizador, ou seja, por Ricardo Teixeira. O que se falou no carro é impublicável.”

Eu queria ser uma mosca.
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“A empresa Match alugara uma sala no hotel para que caciques da Fifa assistissem ao jogo do Manchester contra o Barcelona. Teixeira ajeitou-se numa cadeira na primeira fileira, em frente à televisão. Havia salgadinhos e bebida, mas ele tomou suco. Um cartola uruguaio lhe perguntou detalhes dos times brasileiros e ele repondeu de forma lacônica: ‘Santos es muy fuerte. El problema es que sólo tiene dos jugadores’, ‘Problema de Palmeiras es que gastó mucho y no ganó nada”.

Ao contrário dos outros, que vibravam, comentavam, gritavam e xingavam, Teixeira parecia ver um filme repetido da sessão da tarde. Fez comentários sobre os passes errados do Barça, e apertava os lábios quando o time perdia uma boa jogada. No meio do jogo, pegou seu iPad. Quando Messi marcou um gol, mal levantou os olhos por cima dos óculos para conferir o tira-teima.

Ao final, comentou que detestava ver jogo rodeado de ‘muita gente’ (…).”

Poderia ter subido ao quarto, não? Ou será que a final da UCL não tem tanto apelo ao presidente da CBF?
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“Antes de começar a votação da Fifa, Jérôme Valcke avisou aos 203 delegados presentes que deveria testar a maquininha de voto. Ele faria duas perguntas pró-forma, e os representantes dos países deveriam apertar verde para sim, amarelo para abstenção e vermelho para não. As instruções foram traduzidas em sete idiomas. ‘Esse Congresso está ocorrendo na Hungria?’, foi a primeira questão. Para espanto geral, 45 delegados responderam que sim. ‘Foi a Espanha que ganhou a última Copa do Mundo?’ No painel, viu-se que sete responderam negativamente.”

Sem comentários.
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“Como de hábito, responsabilizou a imprensa pela celeuma (Nota do blog: sobre o estádio paulistano para a Copa de 2014): ‘Olha a merda que foi a Copa na França; a Seleção jogou num estádio de 27 mil lugares, ficamos concentrados no meio do nada. E algum jornalista reclamou? Não, né? Afinal, estavam indo para Paris.’ Quando se falou em aeroportos, ele deixou claro que o problema não lhe diz respeito. ‘Isso é governo. E se o governo acha que a Copa não é prioridade, não posso fazer nada. Esse é o SEU país’, disse.”

Como é?

SEU?!


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